Thursday, June 7, 2007

Segunda a sábado

Já passavam vinte das oito, de segunda a sábado na mesma paragem de autocarro, o mesmo som da cidade, encontrões em gente com muitos sacos, em gente sem nenhum. Vestia um pano colorido em jeito de roupa, com cores e cheiro a África. A fazenda garrida enroupava-a do colo aos joelhos, mostrava os braços e as mãos muito negras e secas. Meia agachada e adormecida, encostou-se contra a paragem, num contraste quase ridículo com o cartaz atrás dela, a publicidade a um perfume ou batom qualquer mostrava uma mulher a sorrir, etérea e suave, num vestidinho preto.
Ela guardava o sorriso, porventura por falta de forças, ou de motivos. Certamente não era por não carregar sacos com fitas e laços, ou por causa das sandálias consumidas que usava nos pés. Eram os sonhos que estavam gastos e rotos, caídos debaixo do banco do autocarro apinhado, de segunda a sábado.
Ao domingo já não imaginava mais nada sem ser o que tinha, preferia ter as mãos ocupadas do que o estômago vazio e barulhento, até porque nunca conheceu outro caminho. Finalmente o autocarro chegou e a fila inquieta para entrar formou-se com a mesma rapidez com que desapareceu, indiferente à mulher que permanecia sentada no chão. Tentou apoiar-se nas pernas, mas cedeu, pela primeira vez à fraqueza e aos olhos molhados. O autocarro arrancou, com os sonhos lá dentro, acalcanhados pelos pés de quem tem onde ir e alguém à espera.

6 comments:

Anonymous said...

uma realidade que esta presente todos os dias...mas eskecida durante por muitos durante anos!!! ADOREI...ta lindo faz as pessoas reflectirem. Pessoal vamos deixar de nos lamentar por coisas banais e sem importância. Beijos especiais pa autora

Pedro Malaquias said...

Gostei. :)

Anonymous said...

Gostei muito=) realmente deixa-nos a pensar.

Anonymous said...

interessante escolha de palavras, agora falta só encontrar-lhes o sentido.
H. D.

Anonymous said...

perfeito

Anonymous said...

Thatcher...a rebentar pelas costuras de sensibilidade, este texto fez as lágrimas virem-me aos olhos...como poderei deixar de te admirar?