Já passavam vinte das oito, de segunda a sábado na mesma paragem de autocarro, o mesmo som da cidade, encontrões em gente com muitos sacos, em gente sem nenhum. Vestia um pano colorido em jeito de roupa, com cores e cheiro a África. A fazenda garrida enroupava-a do colo aos joelhos, mostrava os braços e as mãos muito negras e secas. Meia agachada e adormecida, encostou-se contra a paragem, num contraste quase ridículo com o cartaz atrás dela, a publicidade a um perfume ou batom qualquer mostrava uma mulher a sorrir, etérea e suave, num vestidinho preto.
Ela guardava o sorriso, porventura por falta de forças, ou de motivos. Certamente não era por não carregar sacos com fitas e laços, ou por causa das sandálias consumidas que usava nos pés. Eram os sonhos que estavam gastos e rotos, caídos debaixo do banco do autocarro apinhado, de segunda a sábado.
Ao domingo já não imaginava mais nada sem ser o que tinha, preferia ter as mãos ocupadas do que o estômago vazio e barulhento, até porque nunca conheceu outro caminho. Finalmente o autocarro chegou e a fila inquieta para entrar formou-se com a mesma rapidez com que desapareceu, indiferente à mulher que permanecia sentada no chão. Tentou apoiar-se nas pernas, mas cedeu, pela primeira vez à fraqueza e aos olhos molhados. O autocarro arrancou, com os sonhos lá dentro, acalcanhados pelos pés de quem tem onde ir e alguém à espera.
6 comments:
uma realidade que esta presente todos os dias...mas eskecida durante por muitos durante anos!!! ADOREI...ta lindo faz as pessoas reflectirem. Pessoal vamos deixar de nos lamentar por coisas banais e sem importância. Beijos especiais pa autora
Gostei. :)
Gostei muito=) realmente deixa-nos a pensar.
interessante escolha de palavras, agora falta só encontrar-lhes o sentido.
H. D.
perfeito
Thatcher...a rebentar pelas costuras de sensibilidade, este texto fez as lágrimas virem-me aos olhos...como poderei deixar de te admirar?
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