Eis como a opinião de um ilustre desconhecido pode despoletar uma incursão sobre o estado da Nação.
De um ponto de vista meramente enciclopedista, a afirmação é de refutar. Nestas coisas é sempre bom consultar o dicionário como meio de fundamentar juízos. Um clique na Wikipédia, et voilá: “regime político autoritário em que os poderes legislativo, executivo e judiciário estão nas mãos de uma única pessoa ou grupo de pessoas, que exerce o poder de maneira absoluta sobre o povo”. Reafirma-se a discordância.
Concluo, provisoriamente, que não é por aqui que o gato vai às filhoses, por mais largas que sejam as mãos do Sr Primeiro Ministro. O estado das coisas já não é este: formalmente há 33 anos, materialmente há bem menos!
De todo o modo, e encerrando as palavras mais do que o seu sentido literal, pensei de seguida que podíamos estar perante uma ditadura em sentido metafórico. A conclusão foi forçosamente a mesma, quanto muito podíamos tentar a personificação, mas não a metáfora.
Existem democracias mais ou menos (im)perfeitas, mas sugiro que não as tratemos como ditaduras, mais ou menos avançadas. Para todos os efeitos, o 25 de Abril foi o “point of no return”: a partir daí é legítimo expor todos os podres da democracia, trazer à colação todas as suas virtudes e assumir as suas imperfeições. Mas não é nem construtivo, nem democrático, despromovê-la, espetar-lhe uma faca e anunciar que morreu. É obviamente falso e demagógico, dito com o vazio intuito de fazer crer na ressurreição dos restos mortais do Estado Novo.
Aderindo à moda das classificações, podemos atribuir um mísero 10 à nossa democracia, mas não é, de todo, pedagógico usar a bitola ditatorial.
Que dizer então quando uma auto-denominada democracia é um lobo com pele de cordeiro? Obviamente que a receita para um país democrático não se basta com uma Constituição e meia dúzia de leis, e é também certo que no mapa-mundo abundam líderes com rasgos de despotismo, variando entre atitudes ostensivas e dissimuladas.
Aceitando estes condicionalismos, deverá vingar o optimismo de que qualquer democracia, por mais incipiente, frágil e recente, tem nas mais experientes algum auxílio. Estas, não sendo paradigmas nem autoridades morais, têm sempre qualquer coisa a ensinar, com as conquistas, mas sobretudo com os inúmeros tropeções.
Devemos deixar-nos de regressos ao passado, sob pena de parecem saudosismo.
In dubio, pro democracia.